13/10/2010

QUERO SER VICE

Desisti de ser vereador, tudo por culpa do Banco do Brasil. Ele me ensinou que quando fosse pleitear um cargo, primeiro verificasse quais as atribuições do cargo.

Fui pesquisar na Lei Orgânica de Muriaé as atribuições da Câmara de Vereadores. Fiquei apavorado, pois é muita responsabilidade! São 29 artigos – do 57 ao 85 – com vários incisos e inúmeros parágrafos. Como sou uma pessoa temente a Deus e que acredita no ciclo cármico, resolvi desistir e pensar no cargo de Vice-Prefeito.


O Vice-Prefeito, além de ganhar muito mais, basicamente tem apenas uma atribuição, ou seja, substituir o Prefeito, pois o Poder Executivo é exercido pelo Prefeito do Município, auxiliado pelos Secretários Municipais (Art. 86), e compete privativamente ao Prefeito, dentre outras inúmeras atribuições, exercer, com auxílio dos Secretários Municipais, a direção superior do Poder Executivo (Art. 94). Se não falhei em minha leitura, nada para o Vice-Prefeito fazer, exceto uma discreta ressalva no inciso XXIII, do Art. 94.

Como Administrador, devo ressaltar que o cargo de Vice-Prefeito contraria os mais elementares princípios de Administração. Conforme se encontra na Lei Orgânica, ele não existe em nenhuma empresa da iniciativa privada. É uma aberração organizacional somente tolerada na administração pública. Além do mais, como se ensina em Administração, se o cargo não tem responsabilidade por atribuições específicas, o seu titular passa a exercê-lo de acordo com a Lei de Norcoth Parkison – começa a inventar atribuições.

Se algum eleitor estiver lendo este texto, certamente estará pensando:. “Anacleto ficou mais doido ainda, pois ele jamais, em tempo algum, será eleito para qualquer cargo público, ele é antivoto”. O leitor estará absolutamente certo. Mas o pior é que, se, por uma zebra desses coeficientes eleitorais – conforme vimos no caso do “meu nome é Enéas” –, eu fosse eleito, poderia ser agredido por algum eleitor no futuro.

Como reagiria um eleitor se o vereador lhe dissesse que foi eleito principalmente para legislar e fiscalizar, ou seja, para cumprir as atribuições que lhe foram confiadas pela Lei Orgânica de Muriaé? Que não foi eleito para marcar consultas médicas, negociar dívidas junto a órgãos públicos, nem para pleitear calçamento de ruas junto ao prefeito? Se explicasse que a Câmara de Vereadores não é uma extensão das Secretarias de Obras, de Saúde e de Assistência Social? Certamente, ele nunca se reelegeria.

Adiantaria esclarecer que, por lei, a função do vereador não é tratar casos isolados, mas legislar e fiscalizar a gestão da cidade como um todo, especialmente no que se refere ao Plano Diretor “aprovado pela população”? Que o vereador não deveria se encarregar de marcar uma consulta médica específica, mas verificar com está tratado o problema das consultas médicas de toda a população no Plano Diretor? Que o vereador não deveria se encarregar de renegociar dívidas, mas verificar como está sendo tratado o problema da geração de emprego e renda, principalmente dos jovens, no Plano Diretor? Que o vereador não deveria se encarregar de calçamento de ruas, mas verificar como estão previstos os calçamentos de ruas no Plano Diretor?

O vereador poderia informar ao eleitor o que está previsto no Plano Diretor, qual a prioridade e em que fase de execução se encontram os projetos. Poderia esclarecer ainda que, como o Plano Diretor foi elaborado com ampla participação da população – ou deveria ter sido –, ele corresponde aos anseios e às necessidades dos muriaeenses.

Finalmente, o vereador, se além de não querer se reeleger, quisesse apanhar, poderia acrescentar que ele foi eleito para ajudar a implantar uma nova mentalidade de gestão municipal, ou seja – conforme consta da página 194 do Guia de Implementação do Estatuto da Cidade – uma administração municipal que pretende romper com o histórico de relações perversas e clientelistas entre o Legislativo e os segmentos populares; romper com as barganhas, as negociatas, as trocas de votos pela chegada de infra-estrutura nos bairros, enfim, o conjunto de relações populistas, que mantém as populações como reféns e em estado de precariedade eterna, conservando elites políticas no poder. Tudo conforme está na Lei nº. 10.257, de 10.07.01, denominada Estatuto da Cidade.