Fui pesquisar na Lei Orgânica de Muriaé as atribuições da Câmara de Vereadores. Fiquei apavorado, pois é muita responsabilidade! São 29 artigos – do 57 ao 85 – com vários incisos e inúmeros parágrafos. Como sou uma pessoa temente a Deus e que acredita no ciclo cármico, resolvi desistir e pensar no cargo de Vice-Prefeito.
O Vice-Prefeito, além de ganhar muito mais, basicamente tem apenas uma atribuição, ou seja, substituir o Prefeito, pois o Poder Executivo é exercido pelo Prefeito do Município, auxiliado pelos Secretários Municipais (Art. 86), e compete privativamente ao Prefeito, dentre outras inúmeras atribuições, exercer, com auxílio dos Secretários Municipais, a direção superior do Poder Executivo (Art. 94). Se não falhei em minha leitura, nada para o Vice-Prefeito fazer, exceto uma discreta ressalva no inciso XXIII, do Art. 94.
Como Administrador, devo ressaltar que o cargo de Vice-Prefeito contraria os mais elementares princípios de Administração. Conforme se encontra na Lei Orgânica, ele não existe em nenhuma empresa da iniciativa privada. É uma aberração organizacional somente tolerada na administração pública. Além do mais, como se ensina em Administração, se o cargo não tem responsabilidade por atribuições específicas, o seu titular passa a exercê-lo de acordo com a Lei de Norcoth Parkison – começa a inventar atribuições.
Se algum eleitor estiver lendo este texto, certamente estará pensando:. “Anacleto ficou mais doido ainda, pois ele jamais, em tempo algum, será eleito para qualquer cargo público, ele é antivoto”. O leitor estará absolutamente certo. Mas o pior é que, se, por uma zebra desses coeficientes eleitorais – conforme vimos no caso do “meu nome é Enéas” –, eu fosse eleito, poderia ser agredido por algum eleitor no futuro.
Como reagiria um eleitor se o vereador lhe dissesse que foi eleito principalmente para legislar e fiscalizar, ou seja, para cumprir as atribuições que lhe foram confiadas pela Lei Orgânica de Muriaé? Que não foi eleito para marcar consultas médicas, negociar dívidas junto a órgãos públicos, nem para pleitear calçamento de ruas junto ao prefeito? Se explicasse que a Câmara de Vereadores não é uma extensão das Secretarias de Obras, de Saúde e de Assistência Social? Certamente, ele nunca se reelegeria.
Adiantaria esclarecer que, por lei, a função do vereador não é tratar casos isolados, mas legislar e fiscalizar a gestão da cidade como um todo, especialmente no que se refere ao Plano Diretor “aprovado pela população”? Que o vereador não deveria se encarregar de marcar uma consulta médica específica, mas verificar com está tratado o problema das consultas médicas de toda a população no Plano Diretor? Que o vereador não deveria se encarregar de renegociar dívidas, mas verificar como está sendo tratado o problema da geração de emprego e renda, principalmente dos jovens, no Plano Diretor? Que o vereador não deveria se encarregar de calçamento de ruas, mas verificar como estão previstos os calçamentos de ruas no Plano Diretor?
O vereador poderia informar ao eleitor o que está previsto no Plano Diretor, qual a prioridade e em que fase de execução se encontram os projetos. Poderia esclarecer ainda que, como o Plano Diretor foi elaborado com ampla participação da população – ou deveria ter sido –, ele corresponde aos anseios e às necessidades dos muriaeenses.
Finalmente, o vereador, se além de não querer se reeleger, quisesse apanhar, poderia acrescentar que ele foi eleito para ajudar a implantar uma nova mentalidade de gestão municipal, ou seja – conforme consta da página 194 do Guia de Implementação do Estatuto da Cidade – uma administração municipal que pretende romper com o histórico de relações perversas e clientelistas entre o Legislativo e os segmentos populares; romper com as barganhas, as negociatas, as trocas de votos pela chegada de infra-estrutura nos bairros, enfim, o conjunto de relações populistas, que mantém as populações como reféns e em estado de precariedade eterna, conservando elites políticas no poder. Tudo conforme está na Lei nº. 10.257, de 10.07.01, denominada Estatuto da Cidade.